MIGUEL - SUA VIDA IMPORTA I – Miguel Num dia de maio (um mês tão bonito) Num tempo de pandemia (há outras, falemos da covid-19) Estava a criança no emprego da mãe No bairro nobre da cidade (o país ainda cultiva coisas da corte real) O local: As Torres Gêmeas (a colônia ama copiar o Império) (gêmeas: insólita menção à igualdade) II – Miguel Não acompanhou a mãe Saíra a pascer o cão de Sari O pet de família No oculto das paredes Só uma testemunha: A manicure (assim – sem nome) III – Miguel É pobre, mas é saudável Para sua idade - normal 5 anos de travessuras Na sua casa de comunidade No ambiente de luxo Sozinho, Não se sente acolhido Chama pela mãe No oculto das paredes Só uma testemunha: A manicure (assim – sem nome) IV – Miguel Teima – no sentido de Dona Lindu (“Teima, Lula, teima”) Não é teimoso, é determinado (se fosse passivo, teria ficado quieto) No oculto das paredes Só uma testemunha: A manicure (assim – sem nome) V – Miguel É deixado só No elevador Busca a mãe Que apascenta o cão De família (nobre) VI – Botões A mão da nobre aperta o botão (nobres gostam de apertar botões) (dedos em positivo-negativo, decidindo vidas) A nobre tem pressa As carnes podres das unhas Precisam ser extirpadas Cutículas arraigadas, injustas, Há que serem maquiadas Mãos feias não fazem Boa figura social A aparência é urgente Não há tempo para a criança alheia Da empregada (assim – sem nome) VII – Miguel Fica só No elevador Botão apertado Com cinco anos, As coisas são brinquedos desafios teimas (no sentido de Dona Lindu) A sorte está lançada (sorte ou abandono – atávico abandono) Não desce na primeira parada Desce no nono (andar) VIII – Miguel Miguel abre uma porta Caminha para a morte Não tem mais quintal na comunidade Não tem mais travessuras Não tem mais teima (de criança e de Dona Lindu) Os brinquedos de Miguel Ainda guardam as digitais e o calor Da presença de Miguel Não tem mais sonhos, futuro Mas a unha da prima dama está feita O cachorro de família a salvo IX – De Miguel Restam a dor da perda, a saudade O choro da Mãe de Miguel (Mirtes o seu nome) A sensação de horror do descaso colonial Teias urdidas desde nos primórdios da res-pública (a demagogia tradicional dos tutores do povo) X – Na corte real A unha da prima dama está feita O cachorro de família a salvo E os jornais dão conta de hábitos não muito nobres a sustentarem o padrão da realeza XI – Miguel Diz-se de criança que voa: Agora é anjo Ele tinha nome de arcanjo - guerreiro Dormia o anjo nesta hora? DIANA GONÇALVES
Enviado por DIANA GONÇALVES em 19/06/2020
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