Espetáculo de Promotora
Espetáculo de Promotora
Já estávamos há mais de dez horas na sala de julgamento, as quatro estações do ano brindaram o dia. Naquele momento, apesar da chuva torrencial que despencava do céu, o calor era fatigante no ambiente. A promotora, uma mulher jovem aparentando mais idade do que tinha por causa da austeridade que o cargo exige, vestida elegantemente, fustigava com ímpar competência a testemunha como os granizos que batiam contra a vidraça ao redor da sala. A testemunha, mulher simples do povo, inculta, ensinada nos bancos das escolas da vida. Era parente muito próximo do réu, cujo crime fora tirar a vida de um seu vizinho da vila, pelo motivo alvo da argüição da magistrada. Era uma mulher de meia idade, aparentando a fadiga e a malandragem de toda uma existência, arcando com mais o peso daquele evento exaustivo. Contudo, resistia bravamente, protegendo o homem sentado a poucos metros, sangue do seu sangue. A vítima, bradava a defensora da Lei, estava morta, incapaz de se defender, mas ela, a Promotora, estava ali, para fazer justiça. A testemunha esboça um pensamento, quase um resmungo, transpassando os braços, num gesto de abraço, de proteção. De repente, percebendo a distração, calou-se. A Doutora da Lei, que tinha se dirigido para o seu lugar na mesa, avança em sua direção, ordenando que repetisse o que acabara de dizer. Com olhar cansado e aparentando inocência, a mulher balbucia com voz fraca, que não disse nada. A Promotora insiste : - Preste atenção, eu escutei a senhora dizer (ela passou a imitar o jeito da mulher falar com seus botões e com a mesma entonação, só que com muita ênfase, por causa das negações da testemunha): - “Ah!? bem que quando a gente estava na entrada da vila, perto do tanque, eu disse pra ele que aquilo ...” - Mas eu não disse nada, repetia a mulher. Não saberia dizer quantas vezes a promotora repetiu a frase, cada vez mais enfática, pronunciando o “Ah!?” seguido da frase. Falava tão perto da criatura que sou capaz de afirmar que ela sentia o hálito da doutora. E cada vez que ela repetia a frase, ela enriquecia a coreografia, fazia caras e bocas, arregalava os olhos, no intuito de arrancar a verdade da testemunha, que só repetia que não dissera nada. Quem venceu aquele embate eu não lembro mais, mas recordo que eram quase duas horas da madrugada quando saímos. A competente promotora conseguira a condenação do réu. A chuva mandava ainda seus últimos pingos, parecia que enxugava o céu, naquela hora de um azul profundo e escuro. 14/10/2006
DIANA GONÇALVES
Enviado por DIANA GONÇALVES em 14/10/2006
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