MÁRIO DE ANDRADE - PARA ENTENDER O MODERNISMO IV
A nova arte, pois, requer o despojamento dos nobres implementos do eterno, para incorporar a categoria do contingente. Encontramos na obra de Mário este esforço em captar o mundo objetivo-concreto, solicitado pelo Momento, embora ele negasse tal esforço, pela consciência de não ter conseguido se desligar dos implementos do eterno, como exigia a vanguarda. Por isso, o rótulo de futurista dado por Oswald de Andrade, o qual ele refutou. Em Mário manifesta-se a natureza imponderável e oculta do elemento responsável pela especificidade estética da obra: a consciência de mundo peculiar a cada criador, o amálgama do seu “eu” com o complexo cultural que o recebe desde o nascimento e que vai plasmar o seu ser social. Temos pois no movimento o encontro da consciência histórica e visão ordenadora do universo em contraste com o espírito desagregador das vanguardas, com a inventividade de Oswald – uma consciência anti-histórica, uma visão fragmentada do mundo em sintonia com o espírito anárquico do novo. Mário repudiava Mallarmé (“É PRECISO EVITAR MALLARMÉ”) pelo intelectualismo estetizante do poeta francês. Escreve Mário: “Mallarmé tinha o que chamaremos sensações por analogia. Nada de novo. Poetas de todas as épocas as tiveram. Mas Mallarmé, percebia a analogia inicial, abandonava a sensação, o lirismo, preocupando-se unicamente com a analogia criada. Contava-a e o que é pior desenvolvia-a intelectualmente obtendo assim enigmas que são jóias de factura mas desprovidos muitas vezes de lirismo e sentimento. (...) Inegavelmente com esse processo de desenvolver pela inteligência a imagem inicial, com estar sempre do lado do sentimento em contínuas analogias e perífrases a obra de Mallarmé apresenta um aspecto de coisa falsa, de preciosismo, muito pouco aceitável para a sinceridade sem vergonha dos modernistas” (Mário de Andrade, A Escrava que não é Isaura, in Obra Imatura, 1944, pg.282) – grifos da autora. Ao término da discussão do que seria “assunto poético” para o poeta modernista, Mário conclui que não há mais assunto poético no sentido tradicional e que ”os poetas modernistas consultando a liberdade das impulsões líricas puseram-se a cantar tudo: os materiais, as descobertas científicas e os esportes. (...) E tudo, tudo o que pertence à natureza e à vida nos interessa. Daí uma abundância, uma fartura contra as quais não há leis fânias (sic). Daí também uma Califórnia de imagens novas, tiradas das coisas modernas ou pelo menos cotidianas” (idem, pgs. 217/218) E mais a seguir: “ ...deliciosos poetas do não-vai-nem-vem não preocupam mais a sinceridade do poeta modernista” (Mallarmé, Verlaine?) “Eloqüência está identificada à autenticidade vivencial, ao dinamismo criador, (eloqüência é filha legítima da vida) e nunca a retórica balofa e gratuita que define os diluidores românticos e parnasianos, ainda remanescentes naquele princípio de século, entre nós. Mário repudia o circunstancialismo, o epidérmico da poesia de Marinetti, enquanto sistemática fixação do mundo presente-imediato. Poesia que buscava captar a vertiginosa rapidez da Era da Máquina. Na verdade, nela faltava uma essência duradora, uma dimensão mais profunda do poético. Os futuristas, direcionados a descobrirem aspectos inusitados do mundo objetivo (estes principalmente, pois dadaístas e surrealistas vão na descoberta do inconsciente) esqueciam que “poesia é linguagem de arte, (...) que as “figuras” não são adornos vãos. Constituem a própria essência da arte poética. São elas que liberam a carga poética encoberta no mundo e que a prosa retém cativa.” (Jean Cohen, Estrutura Del Lenguaje Poético, Madrid, Gredos, 1970 - pg. 47) Marinetti dizia que “nossa sensibilidade futurista já não se emociona diante o sombrio mistério de um vale inexplorado ou de um desfiladeiro de montanhas, as que nós imaginamos estão sulcadas por elegantes cintas brancas por onde passam bufando velozes automóveis transportando vozes civilizadas... Conosco começa o reinado do homem sem raízes, o homem multiplicado que se mistura ao ferro, se nutre de eletricidade e não compreende senão a voluptuosidade do perigo e o heroísmo cotidiano.” (Marinetti, El Futurismo. Valencia, F. Sampere & Cia Editores, 1911) Esse “homem sem raízes” Mário nunca pode aceitar. Das descobertas vanguardistas ele assimila a técnica (palavras em liberdade, fragmentação sintática); incorpora o motivo (mundo moderno), mas sem fazer deles sistema. Reprovava a gratuidade da técnica pela técnica, denunciando o estereótipo do que inicialmente fora um achado criador. Mário fixa na sua poesia a visão desmistificadora, mas sua consciência ordenadora não permitiu chegar à dimensão caótica comum a tantos outros. Ele aderia à modernidade, recusando os excessos do modernismo; por estar imerso no processo, não pode estabelecer clara fronteira entre um e outro, o que explica oscilações estilísticas na sua obra. Menotti Del Picchia denuncia, ironizando: “Já se tem receita para ser artista moderno: basta falar em jazz-band, aeroplano, velocípede, frigorífico, etc.” Na verdade, os seguidores da nova acabam transformando em “chapa” o que fora criação autêntica, condicionada pela visão desmistificadora. Desse excesso, Mário se preservou, conscientemente ou não. O que em Mário causa estranheza se comparado a Oswald (alinhado aos poetas “artistas”) é a postura poética comum à família de poetas “videntes”, conforme a distinção de M. Raymond. Por isso, Mário, ao falar na poesia modernista como o resultado do que o subconsciente manda à inteligência do Poeta, aponta Rimbaud como precursor, mas adverte que enquanto modernistas, não o imitam, mas desenvolvem-no e estudam-lhe a lição. Vinte anos depois da batalha modernista no Teatro Municipal de São Paulo, Mário diz em depoimento, que foi um passado agradável, mas assombroso também. Assombra a coragem que teve em participar daquela batalha! Para dizer versos diante duma vaia que ele não escutava o que Paulo Prado lhe gritava da primeira fila das poltronas. Para fazer uma conferência na escadaria do teatro, cercado de anônimos que caçoavam e ofendiam a valer. Diz que o mérito é alheio, pois fora encorajado e enceguecido pelo entusiasmo dos outros; que apesar da confiança absolutamente firme na estética renovadora - mais que confiança, fé verdadeira – ele não teria forças nem físicas nem morais para arrostar aquela tempestade de achincalhes. O entusiasmo dos outros o embebedava, não o dele, e que por ele, teria cedido. “Digo que teria cedido, mas apenas nessa apresentação espetacular que foi a Semana de Arte Moderna. Com ela ou sem, minha vida intelectual seria o que tem sido” (Mário de Andrade, “O Movimento Modernista, in Aspectos da Literatura Brasileira, S. Paulo, Martins, 1967 (pgs. 221/222) Bibliografia: Mário de Andrade, Poesia, Nossos Clássico. Mário de Andrade Para A Jovem Geração, Nelly Novaes Coelho, Coleção “Escritores de Hoje”. O DOMADOR Alturas da Avenida. Bonde 3 Asfaltos. Vastos, altos repuxos de poeira Sob o arlequinal do céu oiro-rosa-verde... As sujidades implexas do urbanismo. Filets de manuelino. Calvícies de Pensilvânia. Gritos de goticismo. Na frente o tram da irrigação, Onde um sol bruxo se dispersa Num triunfo persa de esmeraldas, topásios e rubis... Lânguidos boticellis a ler Henry Bordeaux Nas clausuras sem dragões dos torreões... ................................................................................. Laranja da China, laranja da China, laranja da China! Abacate cambucá e tangerina! Guardate! Aos aplausos do esfusiante clown, Heróico sucessor da raça heril dos bandeirantes, Passa galhardo um filho de imigrante, Loiramente domando um automóvel! Em Paulicéia Desvairada
DIANA GONÇALVES
Enviado por DIANA GONÇALVES em 12/11/2009
|