BENDITO NICHO
Sou cismada com lugares dos quais desconheço a história. Esse estranhamento é maior quando se trata de casa ou carro, como é o caso da casa nova. A mudança já vai pra mais de ano, mas ainda vivo o sabor da novidade, por conta dos imprevistos com o aquecedor a gás, um cheiro dos encanamentos que ninguém descobre a causa, o gosto de ter conquistado algo há muito desejado, o conforto em relação à moradia anterior, as melhorias requisitadas, a nova meta de quitar o financiamento, a satisfação de ver meu filho contente com a aquisição, etc. Gosto de sentir-me segura quanto aos critérios e cuidados que antigos donos tiveram com o imóvel. Como há indícios de que algumas providências foram proteladas, desconfio de aspectos dos quais não tenho controle. Tive o mesmo sentimento com um carro comprado tempos atrás, numa época de poucas opções e muita necessidade de uma condução. Eu desconfiava do carro como se desconfia de uma pessoa pouco confiável. Examinar se compramos ou não um carro usado de determinadas pessoas tem muito fundamento. Acontece o mesmo com imóvel. Pode estar aparentemente muito bonito, mas saber o critério adotado para reformas, como o local foi tratado ao longo de anos é relevante. Enfim, o negócio valia a pena pela localização e urgência e assim fizemos. Além disso, mulher gosta de mudanças. Agora mesmo implico com o cheiro que aparece na casa sem explicação aparente. Fico incomodada com cheiros e cheiros enfezados, nem se fale. O prédio já gastou com o profissional contratado pela administradora e nada de resolver o problema. Então, cismei com o tal cheiro e resolvi quebrar o banheiro todo. Tem também uma nuance de marcar território, deixar o local com as minhas feições, fazer melhorias, espécie de tomada de posse psicológica, definitiva, espiritual, um pouco de quebra da tendência de passar pelas coisas de modo transitório e desapegado demais, uma homenagem ao bem conquistado, um mimo, cuidado ao presente, reconhecidamente abençoado pela Divina Providência. Coincidiu com a localização nos andares abaixo de um defeito na rede de encanamentos. Orçamento daqui e dali, optei por fazer o serviço com um antigo empreiteiro já conhecido, sob a supervisão do antigo zelador do prédio onde morávamos, o qual foi despedido e acolhido pelo prestador de serviços, que tem a filosofia de ajudar os patrícios. Ele é da Bahia e ajuda a todos os “irmãos”, por extensão a todos das regiões vizinhas. Existe uma colaboração tácita entre nós. Meu critério para escolha, claro, foi preço e uma prospecção da qualidade do trabalho, sem precisar ficar eu mesma atuando como mestre de obras, como já ocorreu em outros tempos. Às vezes precisamos ensinar o executor como as coisas funcionam e o diálogo nem sempre é fácil, pelo machismo existente e o orgulho que os trabalhadores têm do seu ofício, diante de uma mulher querendo entender de obra. Acontece que a transferência de outros conhecimentos, aliada a uma boa dose de bom senso e experiência funcionam e bastante. Percebi que o nicho pretendido numa parede do banheiro seria o quesito de avaliação, somado às opiniões sobre o cheiro, cujo motivo recebeu as mais diferentes teorias. A cada um que vinha, ao escutar a palavra “nicho”, fazia um ar de espanto como se tivesse escutado um desvario. Passei a dizer “buraco”, com uma prateleirinha para colocar xampu e similares. Pois bem, avaliei o quanto Raimundo (baiano, “mecenas” dos patrícios) evoluíra desde a primeira vez que trabalhara para mim. Ele veste calças jeans de cavalo baixo, com alças dos lados, bolsos e jaquetas. Ao dizer que eu queria um buraco na parede... ele logo me olhou com o seu jeito característico de recitador de rap, aquela voz ritmada dos baianos, sempre com os lábios ensaiando um sorriso e disse: - Ah! A senhora quer um nicho, né? Senti firmeza, contratei-o para o serviço, seu preço foi o melhor e por enquanto não estou arrependida. Ele trouxe profissionais de primeira linha para trabalhar. Uma grande evolução. Aprendi a compreensão do caos que se instalava no desenvolvimento dos trabalhos, que desta vez diminuiu substancialmente, os baianos têm um know how característico de fazer acontecer. Dizem que neste tipo de serviço é preciso ter sorte. Desta vez eu tive. Só tenho a agradecer. Bendito nicho. 25/07/2009
DIANA GONÇALVES
Enviado por DIANA GONÇALVES em 25/07/2009
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