Dirce Carneiro - Diana Gonçalves

Textos

Garotas ao luar
As noites mais frias do outono já prenunciam o inverno que chegará a menos de um mês. Samanta já tirara o edredom, as pantufas e o peignoir que permaneceram guardados o resto do ano. O verão neste ano foi incomparavelmente quente.

Sem poder dormir, pois uma pertinaz insônia veio disposta a lhe fazer companhia nas madrugadas solitárias em que passa lendo os mais diversos assuntos, vendo televisão ou na frente do computador lendo notícias que lhe chamam a atenção.

Na madrugada, a televisão está repleta de programas evangélicos, que nos convidam a falar com Deus.

De vez em quando gosta de olhar pela janela, observar a noite com suas ruas vazias, bem diferente do local onde morava, onde o movimento de pedestres e veículos era constante. Lá, por causa dos bares e boates existentes, a prefeitura iluminara a rua,  e o lugar parecia estar em constante festa. Lá a vida fervilhava. Era o que as pessoas costumam chamar de viver, aproveitar a vida entregando-se aos prazeres dos botecos e da noite causando muito barulho, motivo de queixas ao PSIU, órgão da Prefeitura encarregado de fiscalizar e fazer cumprir a lei sobre o silencio na cidade. Tais queixas jamais surtiram efeito.

São Paulo oferece opções de entretenimento possibilitando às pessoas que vão de um local a outro aproveitando o movimento noturno que só é interrompido quando a cidade acorda e inicia mais um dia de trabalho e os carros e ônibus aparecem como formigas que saem para captar o necessário para que o formigueiro continue organizado e provido.

Existem bairros que são mais boêmios que outros. O centro da cidade, mais para o lado da Bela Vista, fazendo divisa com os Jardins, Cerqueira Cesar, Consolação, tendo como referencia a Rua Augusta, que atravessa a Avenida Paulista em direção ao Centro, parece ter sido eleito para a instalação de bares, boates, baladas, o que causa muita preocupação aos moradores por causa do barulho e  a desvalorização dos imóveis. A associação de bairros, SAMORCC, dá apoio às reclamações, no entanto, depende muito da organização e empenho dos habitantes desses bairros.

Da janela de sua nova casa Samanta olha em direção ao centro. Divisa ao longe a torre do prédio que era do Banespa, hoje sede da Prefeitura. À sua direita, ainda vê o outeiro do Divino, com suas árvores frondosas iluminadas à noite na Rua Frei Caneca, cujo movimento de uns anos para cá não cessa, por causa do Shopping, bares e boates. Paradoxalmente, a região é valorizada com a construção de edifícios residências de alto padrão. Ouvi dizer que os gays vão montar a sua sede numa casa que está sendo reformada ao lado da igreja. Além disso, continuam nas vizinhanças os mendigos do bairro. As diversas tribos terão que aprender a conviver e fazer a paz.

A noite envolve o cenário salpicado de luzes dos apartamentos. Notívagos como Samanta dão o tom dourado ao escuro da madrugada, cujas janelas parecem portinhas de microondas abertas.

Vai até a cozinha -  insones assaltam geladeira. Resolve beber água. Enquanto sorve o líquido em goles pausados, observa a rua deste ângulo da casa. A vista deste lado da casa é de encher os olhos. Em direção à Consolação, as garotas da noite trabalham - a sociedade justifica  -  é a profissão mais antiga do mundo. Carros passam em direção a Higienópolis, Centro ou Rebouças. Alguns param e abordam as mulheres. De vez em quando a conversa chega a bom termo e uma garota entra no carro para mais um programa  que faz parte do espetáculo desta cidade que não para.

Samanta observa o céu. Hoje é noite de luar. Será que a garota que subiu no carro percebeu que hoje a lua ilumina seu local de trabalho?

A lua hoje dá o show, seu clarão invade a área de serviço da casa de Samanta e ilumina as roupas penduradas no varal que tomam um tom azulado.

Democraticamente, o luar emoldura a silhueta da garota parada na esquina, à espera do próximo carro e mais um ato desta desconcertante peça encenada,  até que a manhã chegue e  a cortina de luar será fechada pelo sol, que anuncia a chegada de mais um dia, marcando a sucessão de dias e noites em que é dividido o tempo, alheio aos dramas, problemas e questões da humanidade.



05/05/2009
DIANA GONÇALVES
Enviado por DIANA GONÇALVES em 07/05/2009
Alterado em 07/05/2009


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